quinta-feira, 14 de maio de 2009

Baixio de Irecê: um território do agronegócio


André Pires Maciel

O projeto Baixio de Irecê, em fase de implantação, localizado no Território de Irecê (Ba), constitui-se no maior projeto de irrigação em curso no Brasil. Ofuscado pela celeuma provocada no seio das discussões sobre a transposição do rio São Francisco, o Baixio representa uma das principais obras do Governo Lula no campo brasileiro e enseja um golpe decisivo do agronegócio em sua incursão pelo interior do semi-árido nordestino. Por todo o risco sócio-ambiental que o agronegócio oferece e para ajudar a desconstruir falsas noções ( embutidas no eufórico discurso de crescimento econômico, como se este fosse sinônimo de desenvolvimento pleno), vai aqui algumas considerações de natureza político-geográfica a respeito deste projeto.
O projeto Baixio de Irecê, de acordo com a CODEVASF , é composto por 9 etapas, abrange uma área de 58 659 mil hectares de espaço contínuo nos municípios de Itaguaçú da Bahia e Xique-xique, ambos localizados na microrregião geográfica de Irecê. A implantação do perímetro de irrigação detém potencial para a produção de bioenergia e para a prática da fruticultura, destinados a exportação. Entre os produtos indicados, estão: melão, abacaxi, uva, algodão e cana de açúcar. O projeto, previsto para ser concluído em 2010, é levado a cabo pela CODEVASF, devendo receber recursos da ordem de R$ 241 milhões, previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), enquadrando-se, dentro do modelo jurídico das Parcerias Público-Privadas (PPP). Consiste na construção de estação de bombeamento, na edificação de canais para transportar a água até o perímetro irrigado, no arrendamento de lotes de terras aos produtores rurais e na prestação de serviços aos usuários.
Conforme a CODEVASF, a primeira etapa, dotada de 4723 ha, deve implementar a produção do dendê , inserido no Programa do Biodiesel. Contempla, além da construção da estação de bombeamento de 10,5 m3/s – já concluída- e da edificação de canais, a implementação das áreas com o cultivo da Palma (planta que origina o óleo do dendê), que será constituído nos moldes da produção integrada. Nesses primeiros 4.723 ha do Projeto serão distribuídos 47 lotes para pequenos produtores, 38 para médios produtores e 32 para empresas.
Para efetivar o tal modelo de produção integrada, o Estado, de forma deliberada, adota como estratégia o abandono da agricultura camponesa, a qual, em face dos baixos indíces de produtividade, expulsa parte de sua força de trabalho para o regime de contratualização. O sistema integrado consiste na concessão, por parte dos empresários das agroindustriais, de matéria-prima, sementes, adubos e assistência técnica aos camponeses, os quais passam a produzir para as empresas em troca de quantias pré-fixadas. O resultado é a precarização do trabalho e altos lucros para um grupo seleto de capitalistas, que se utilizam de uma mão de obra experiente no manejo agrícola.
Em face desta primeira etapa, vê-se que o Baixio está inserido na lógica de expansão dos agrocombustíveis, uma vez que é grande o interesse pela cana. Sua área consiste num território estratégico para o agronegócio, por algumas características sócio-ambientais vigentes, a saber: o solo mais fértil do mundo; água abundante ( neste trecho da bacia do São Francisco, os afluentes mais caudalosos já desembocaram no velho chico; baixa densidade demográfica ( fato que facilita o controle terrritorial); mão de obra abundante e experiente no trato agrícola nas adjacências; fragilidades das organizações políticas dos trabalhadores .
O território em questão passa por mudanças na sua materialidade e no seu uso: acrescenta-se objetos técnicos, como a estação de bombeamento, estradas, infraestrutura hídrica e, ao mesmo tempo, altera-se as relações de uso, com a ampliação de conflitos, já que se torna mais patente a contradição capital versus trabalho. De forma concreta, ocorrem modificações na organização social implicando numa complexificação do trabalho, para se materializar novas formas espaciais e atribuir novas funções àquelas mais antigas, no sentido de forjar uma construção espacial mais útil a reprodução do capital.
Mais uma vez não se pode subestimar o papel do Estado. No caso do Baixio de Irecê, o Estado surge apenas para garantir a segurança da territorialização do agronegócio, tarefa que contempla: montagem do arcabouço jurídico (na lógica das parcerias público-privadas); alocação de recursos para implantação da infraestrutura (capital constante); normalização do uso da terra; expulsão de camponeses.
A montagem da estrutura produtiva de diferentes gêneros para exportação, permitirá a inserção deste espaço no circuito do comércio global, o que implica numa crescente valorização territorial, processo que se impõe mediante a proeminência do valor de troca sobre o valor de uso, atendendo aos ditames do grande capital. Nesse estágio, pode-se falar numa alienação do território, quando a luta de classes comporta uma nova feição: a classe dominada “molda” sua existência de acordo com interesses remotos, interesses daqueles que estabelecem as diretrizes políticas e impõe a remessa de lucros para as matrizes de suas corporações. É a luta de classes ganhando notoriedade no campo das escalas geográficas.
A territorialização do agronegócio levada á cabo no baixio já nos permite vislumbrar alguns ônus sociais, como: a modificação da estrutura agrária no Território de Irecê ( a especulação nas área adjacentes ao perímetro cresce a cada dia) no sentido da concentração fundiária; a exploração das terras no perímetro irrigado com base no valor de troca e a conseqüente precarização do trabalho; a transformação da paisagem (desmatamentos, acréscimos de agrotóxicos nos solos e nas águas); e os conflitos no campo.
Dessa forma, torna-se premente uma ação mais enérgica e planejada das lutas sociais deste território no sentido de convoca a sociedade para uma discussão mais ampla sobre os aspectos mais nocivos do projeto, tendo em vista a construção de um espaço que não seja apenas de alguns, mas de todos.
André Pires Maciel é graduado em Geografia.
geografoandre@gmail.com

4 comentários:

  1. Caro André,compartilho com tuas angustias e estamos na luta articulando os camponeses e buscando formas para produzir comida para o povo.

    "Agronegócio só traz pobreza, propomos para o mundo agricultura camponesa".

    Leomárcio - MPA

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  2. André, faço parte do Comitê do Salitre e do Comitê do São Francisco (como sociedade civil, tenho um trabalho como voluntario na CPT- Comissão Pastoral da Terra e no MPA - Movimento dos Pequenos Agricultores.
    Este modelo também esta sendo implantado no sub-médio São Francisco no Projeto Salitre, que recentemente a CODEVASF lançou licitação de 255 lotes para a agricultura familiar, só que este edital é extremamente excludente tirando todo pequeno agricultor e assim abre caminho para entregar tudo para a produção dos "necrocombustíveis" como chama Frei beto
    Almacks Luiz Silva

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  3. A ideia do "crescimento e da geração de emprego e renda", são para o nosso sertanejo sofrido, como uma catarata malígna, devidamente implantada pelos interessados no processo.
    Parabéns andreé, pela gotas de colírio!!!

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  4. Bom texto! Nos faz refletirmos sobre tal projeto e sua inerência com a necessidade de acúmulo e expansão do capital no mundo atual.

    Tássio B. Cunha

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